Second secreen ou segunda tela foi uma das buzzwords do Digital Age 2012. Foi também uma das buzzwords do Congresso da SET (Sociedade Brasieleira de Engenharia de Televisão). Tenho visto muita gente falar a respeito, quase sempre apoiadas nas pesquisas dos institutos de mercado que revelam o hábito crescente de consumo simultâneo de conteúdo entre dispositivos como televisores, tablets e smartphones _ as famosas múltiplas telas. Segundo as pesquisas, os aplicativos de segunda tela fazem com que o telespectador se envolva e preste mais atenção ainda ao conteúdo exibido na TV. OK.
O que temos visto pouco, de fato, é uma discussão mais profunda sobre a grande oportunidade que a segunda tela proporcionar aos produtores de conteúdo audiovisual de unir as duas pontas da famosa cauda longa, conceito criado pelo editor chefe da revista ‘Wired’, Chris Anderson, no livro The Long Tail, em discute novos posicionamentos para as empresas em relação aos mercados de consumo de massa e de nicho a partir da internet.
Na SET, Roberto Franco, diretor de Rede do SBT e presidente do Fórum Brasileiro de TV Digital, abordou o tema. Na sua opinião, no mercado audiovisual _ especialmente no broadcast _ não faz mais sentido tratar as duas pontas da cauda como mercados concorrentes.
Na sua opinião é um erro acreditar que o mercado deixou de ser de massa, e passou a ser o da ponta da curva da cauda longa, que atende apenas as demandas um-a-um.
“O que o Chris Anderson quis dizer é que os mercados de massa manterão sua relevância e a perderão ao longo do tempo , enquanto os mercados de consumo individual passarão a ter uma relevância maior pela possibilidade de distribuição de equipamentos eletrônicos para usos individuais”, argumenta Franco.
Na cabeça da curva da cauda longa Roberto Franco vê a famosa mídia de massa, a televisa. Na outra ponta, o mercado um a um, do gosto individual, que só a internet tem a capacidade de atender. “O que ninguém tem discutido é por quanto tempo vamos continuar enxergando as duas pontas da curva. Será que vamos conseguir entender o consumo das duas pontas da curva e perceber que elas podem não competir, mas cooperar, agregando mais valor para os negócios? Que a internet não vai substituir as mídias de massa e as mídias de massa nunca terão como competir com a internet, mas juntas elas poderão atender melhor o consumidor, integrando as duas pontas da curva e permitindo que os conteúdos de massa andem na direção do consumo individual e que o consumo individual possa se deslocar aos conteúdos de massa, combinado com eles?”
De fato, o grande desafio hoje é enxergar como criar essa integração e fazer com que os dois mercados fiquem ainda mais valiosos tirando proveito de toda diversidade de plataformas, serviços, aplicações e ofertas.
No Brasil, especialmente, a TV digital, junto com a internet, pode tornar a experiência das TVs conectadas e de uso da segunda tela ainda mais ricas. Um mercado totalmente novo e com potencial muito grande de ser explorado. O grande sonho de estar em qualquer lugar, a qualquer tempo. Mas, para isso é preciso colocar o consumidor no centro da discussão.
“A importância está no usuário. É ele que definirá quem será o líder, onde vai buscar a informação que precisa, qual é essa informação e como pretende compartilhá-la”, lembra Gustavo Mills, cofundador e diretor de marketing da Klug.Tv, primeira agência a desenvolver ações de segunda tela no Brasil, justamente para o SBT. Gustavo está convicto de que a TV tem obrigação de dar mais informações sobre aquilo que ela começou. “Não basta para o anunciante simplesmente colocar um produto a mostra na TV. Precisa apoiar isso com mais informações na Internet”, prega.
Larry Allen, vice-presidente de negócios da RealMedia, disse o mesmo durante o Digital Age 2.0. Confira, no fim deste vídeo.
Como Larry Allen e outros especialistas, Gustavo acredita que o principal atrativo da segunda tela é matar a curiosidade do telespectador. Ao assistir a uma novela ou série na TV, as pessoas sempre tiveram a curiosidade de saber mais sobre os atores, a trama, trilha sonora e até onde onde comprar as roupas utilizadas pelos protagonistas (o t-commerce aliás sempre foi umas das possibilidades que mais chamaram a atenção na interatividade da TV Digital). Ao assistir a um jogo,muitos torcedores gostaria de saber mais sobre o time, a performance de cada atleta, os scouts em cada fundamento, as estatísticas do jogo do seu time em tempo real, etc.
Em pesquisa recente do Ibope, 43% dos entrevistados declararam ter o hábito de ver TV e navegar na internet ao mesmo tempo. O índice nos Estados Unidos é muito semelhante: 45%, segundo pesquisa da CBS. A diferença é que no Brasil 59% desses usuários que fazem uso simultâneo, o fazem todos os dias. Nos Estados Unidos esse número não chega a 40%. Tem mais: no Brasil, 70% do público que faz uso simultâneo de Internet e TV navega na Internet influenciados pela TV e 80% assistem na TV conteúdos que descobriram ou foram comentados na Internet. Existe uma relação muito forte entre esse dois mundos. E as pesquisa comprovam que a segunda tela influencia o telespectador a assistir mais TV ao vivo.
Tem mais: o hábito de uso uso simultâneo da TV e internet está diretamente relacionado ao de uso simultâneo de TV e tablets. Em estudo recente da Forrester 85% das pessoas afirmaram que usam o tablet enquanto assistem TV, sendo que 30% do tempo de uso total do tablet é gasto em frente à televisão.
Outra pesquisa do Ibope, o Target Group Index, revela que no Brasil a TV aberta tem 97% de penetração, enquanto a internet tem 53%, e a TV por assinatura 35% .
Portanto, a TV continua a ter um poder de penetração muito grande para dar os inputs que a internet, pode aprofundar. E como já disse o Tiago Dória, certa vez, ao tratar do assunto, além de servir como “backchannel”, a segunda tela evita que as pessoas se percam na web na procura dessa informação mais profunda, do conteúdo extra.
Pense na novela “Cheia de Charme”, tida como a primeira novela transmídia da TV brasileira. Tudo porque, a certa altura, as empregadas Cida (Isabelle Drummond), Rosário (Leandra Leal) e Penha (Taís Araújo) aproveitaram uma saída da patroa, a estrela do tecnobrega Chayene (Claudia Abreu), para gravar em sua casa um videoclipe caseiro da música com a qual sonhavam fazer sucesso, a baladinha brega “Vida de Empreguete”, divulgado pelo videomaker na Internet. Ao mesmo tempo em que o vídeo “vazava” na rede na história contada na novela, ele também entrava no ar na Internet e, horas depois, no site oficial da novela. Não deu outra: “viralizou”, tanto na vida real quanto na ficção.
Mas a segunda tentativa de fazer o mesmo, desta vez com o vídeo “Vida de Patroete, resposta de Chayene ao sucesso das Empreguetes, foi mais complicado. Ao ser citado na novela, já existiam dezenas de paródias com o título de “Vida de Patroete” publicadas no YouTube. Custou para o vídeo entrar no site da novela e, a “viralização” não aconteceu. Estivesse a Rede Globo já usando bem o conceito de segunda tela, suas chances de evitar que os telespectadores se perdessem na Internet buscando o vídeo “Vida de Patroete” seriam infinitamente maiores. Ainda mais se o vídeo pudesse ser transmitido pelo ar, para televisores com o Ginga e conexão internet, como propõe a experiência de segunda tele concebida pela Totvs/TQTVD.
Contexto complexo
Há 20 anos, cada tipo de serviço e produto tinha uma mídia dominante. Hoje não é mais assim. “Para saber o que oferecer é preciso fazer uma análise de contexto que considere o broadcast, o broadband e as múltiplas telas”, afirma Roberto Franco. E para definir o contexto, segundo ele, é preciso fazer três perguntas básicas: quem está consumindo, quando está consumindo e onde está consumindo. “Hoje, uma mesma pessoa consome audiovisual de maneira diferente, dependendo da hora e do local”, explica.
E essa realidade leva à derrubada de algumas verdades absolutas. Será que hábito de consumo audiovisual coletivo para TV persiste? Os modelos do consumo compartilhado (coletivo) e o inclinado para trás (relaxado no sofá), continuam sendo hábitos ou passaram a ser opções, possibilidades de consumo?
É consenso que os celulares e as mídias digitais expandiram o hábito do consumo compartilhado de audiovisual. Fenômeno batizado de Social TV, outra buzzword do Digital Age 2.0. “Você pode estar assistindo determinado conteúdo sozinho, na sua casa e estar interagindo com os amigos, remotamente, via redes sociais. Por outro lado o famoso modelo inclinado para a frente do consumo individual também não mudou? Quando você pega um tablet para ver um conteúdo audiovisual você pode estar relaxado no sofá e na cama?” _ questiona Franco.
É inegável que o contexto de consumo de conteúdo audiovisual é cada vez mais complexo. “É hoje uma combinação dos hábitos de consumo compartilhado, pessoal e móvel”, afirma Franco. Temos também três diferentes tipos de serviço: os tradicionais lineares (TV aberta, que alguém faz a programação para você), os não lineares (VOD, vídeo IP) e os multimídias (com interatividade , como os diferentes modelos de social TV). “Isso dá uma matriz que orá balizar o trabalho de todos que produzem e distribuem conteúdo audiovisual”, afirma o executivo.
Defesa de território
No SBT a fica já caiu. Para continuar sendo competitiva, a broadband precisa vencer em outros territórios. “Mas ninguém consegue vencer em outros territórios sem antes vencer no seu próprio território. E como se consegue isso? Melhorando, aumentando a qualidade do serviço. Primeiro, a radiodifusão está aumentando a qualidade dos serviços. Inicialmente, do ponto de vista de engenharia de transmissão, investindo em HDTV, 3D, UHDTV e o 3DUHDTV, para conservarmos o seu modelo de negócio e aí sim, poder expandi-lo”, explica Roberto Franco.
E quais são as possibilidades claras de expansão de território para o radiodifusor? Inicialmente, o próprio padrão digital oferece a possibilidade da mobilidade, através do padrão 1-seg. E, por fim, a interatividade, através do Ginga, com conteúdos mais personalizados, inclusive na segunda tela.
Essas possibilidades esbarram em algumas dificuldades. Tudo o que é móvel, esbarra nos interessas das operadoras de telefonia. É preciso aumentar o dialogo com elas para encontrar novos modelos de negócio. A interatividade, por sua vez, esbarra nas TVs conectadas. Do ponto de vista do radiodifusor, os dois deveriam trabalhar juntos para aumentar as possibilidades de ofertas de conteúdos personalizados casados com os conteúdos lineares.
Afinal de contas, o Brasil tem hoje entre 16 milhões a 20 milhões de televisores já com conversores digitais em uso. Até o fim deste ano, nas contas da Totvs, 5 milhões desses televisores serão DTVi, ou seja, possuem o Ginga embarcado. Projeções do Fórum SBTVD apontam para 70 milhões Televisores DTV em uso até o fim de 2015. E projeções da TQTVD falam em uma base instalada de 54 milhões de receptores com Ginga em 2016. “Não dá para desprezar isso. A interatividade, principalmente através da segunda tela, deve ser aproveitada de alguma maneira para que novos modelos de negócio sejam experimentados”, argumenta David Britto, Diretor Técnico da TQTVD.
A título de comparação, a projeção de vendas de TVs conectadas (as chamadas Smart TVs) no mercado brasileiro, segundo a Sony, é de 15 a 20 milhões em 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil.
“É muito difícil para os fabricantes explicarem as vantagens da TV conectada para os consumidores”, afirma Marcelo Varon, da Sony. Da mesma forma, é muito difícil explicar como usar o Ginga. A maioria das aplicações interativas veiculadas hoje pelos radiodifusores peca no quesito usabilidade, como bem mostra este vídeo abaixo, da primeira aplicação interativa para um telejornal nacional, criada pela HDX para o Jornal da Band.
Ele revela também a dificuldade do radiodifusor em gerar conteúdo complementar à sua programação. Note que as notícias da aplicação interativa tinham mais de 12 horas de atraso. Talvez por isso, as aplicações de segunda tela mais conhecidas sejam as de eventos esportivos, onde é mais simples automatizar o processo de geração de scouts e estatísticas.
Não dá para deixar de pontuar que todo avanço tecnológico obtido até aqui, para possibilitar o sonho dos produtores e distribuidores de de conteúdo de ter os seus produtos disponíveis em qualquer dispositivo a qualquer tempo, de nada valerá se esse conteúdo não for de qualidade.
“Se a gente não tiver conteúdo de qualidade não teremos o interesse de ninguém em usar qualquer nenhuma dessas tecnologias”, argumenta Gustavo Mills, com razão. “As pessoas estão ali para encontrar o que elas buscam. O que a gente já pode fazer hoje certamente será modelo para o futuro.”, completa.
Fonte: IDG Now