A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom) divulgou no último dia 27 nota com reflexões e propostas sobre o processo de digitalização do rádio brasileiro. A Fitert integra a Frentecom e reproduz abaixo a nota para conhecimento de toda a categoria, sindicatos filiados e apoiadores da luta pela democratização da comunicação no Brasil.
O Contexto
O Brasil, acompanhando o cenário internacional, está em pleno processo de migração dos serviços de comunicação para o modelo digital. Desde 2006, o país vem implementando o padrão ISDB-TB para a digitalização da televisão. E a partir de 2009, com a publicação da Portaria 209/2010 do Ministério das Comunicações, estabelecendo as diretrizes para a criação de um Sistema Brasileiro de Rádio Digital. A escolha do Governo Federal pelo padrão japonês para a TVD foi realizada sem a participação plena da sociedade civil e beneficiando principalmente os radiodifusores privados. Com ela se perdeu a possibilidade de ampliar o número de atores do sistema público e comunitário de TV, possibilitando uma maior democracia no setor. O desenvolvimento tecnológico nacional previsto foi insuficiente frente as possibilidades. O principal avanço tecnológico nacional incorporado pelo sistema de TV de Digital – o software de interatividade Ginga – ainda é marginalizado dentro da produção industrial, sendo encontrado em poucos televisores fabricados no País.
Diante deste cenário, a FRENTECOM considera necessário e oportuno que o conjunto da sociedade, e em especial o Campo Público da Comunicação, esteja articulado e atuante em torno do debate ora em curso sobre a digitalização do rádio brasileiro.
O fortalecimento da democracia brasileira, por meio da democratização da comunicação, está intrinsecamente ligado aos modelos e padrões de digitalização a serem adotados pelo Brasil. O Sistema de Rádio Digital deve ser escolhido pelo Governo a partir da necessidade real de democratizar as comunicações brasileiras, apontando para a criação de políticas públicas e mudanças legislativas que adequem o sistema de mídia do país às garantias do Direito à Comunicação. A opção tecnológica deve favorecer a consolidação das emissoras públicas e comunitárias, garantindo o acesso à liberdade de expressão, a promoção da diversidade cultural e o direito da população brasileira à informação.
As questões políticas
Havia grande expectativa em torno da formação do Conselho Consultivo do Rádio Digital (CCRD) pelo Ministério das Comunicações, como espaço privilegiado de definição das ações necessárias para a tomada de decisão sobre o padrão da digitalização do rádio brasileiro. Sua convocação se deu em agosto de 2012, e em outubro foi realizada a primeira reunião.
Mas o CCRD apresenta problemas estruturais de falta de mecanismos de participação da sociedade e transparências de seus atos, já apontados, em outras ocasiões, por entidades do campo da comunicação pública e comunitária. A começar por sua composição, que não contemplou setores importantes da sociedade, como a Academia e os trabalhadores de rádio, passando pelas limitações financeiras alegadas pelo Ministério das Comunicações – que não garante a presença dos integrantes do Conselho em suas reuniões ordinárias, onerando entidades comunitárias ou impossibilitando sua efetiva participação. As reuniões não são transmitidas pela internet, ou seja, quem não pode ir à capital federal fica fora do debate. O Ministério das Comunicações criou um espaço em sua página web para divulgar os documentos e permite a presença de ouvintes nas reuniões, mas é preciso mais transparência e participação nas discussões.
Apesar destas dificuldades, e após reuniões nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2012, uma das primeiras conclusões que se pode tirar das discussões do CCRD é que o desenvolvimento da digitalização radiofônica carece indubitavelmente de investimentos em pesquisa e aprimoramentos. Espera-se, sobretudo, que a partir do reconhecimento da necessidade de maior participação nos debates do Conselho, o Ministério das Comunicações promova a ampliação da discussão para todos os setores sociais interessados em contribuir com a decisão final, por meio de audiências e consultas públicas em todas as regiões brasileiras. Nelas, deve-se buscar especialmente a participação dos ouvintes, personagens que mais serão afetados nesse processo.
A FRENTECOM defende a digitalização de todos os serviços existentes na radiodifusão sonora (AM, FM, OM e OT), porque reconhece que estas frequências são importantes para constituir o Sistema Brasileiro de Rádio Digital. Em especial, ressaltamos a importância que as Ondas Curtas têm para a realidade brasileira e para o Sistema de Comunicação Pública, cuja função social nos coloca a tarefa de atender às populações e comunidades isoladas, como as de agricultores/as rurais, quilombolas, ribeirinhos/as, indígenas, extrativistas, que têm nas rádios de ondas curtas, muitas vezes, sua única fonte de informação. Da mesma maneira, destaca-se a importância das rádios comunitárias, presentes em quase todos os municípios brasileiros, e que somam mais 4.400 outorgados pelo Governo Brasileiro. Os avanços trazidos pelo rádio digital só se tornarão conquistas democráticas e cidadãs com a inclusão plena das rádios comunitárias, seja por meio da capacitação de seu pessoal ou do financiamento público para investimentos; mas sobretudo com as devidas mudanças na atual legislação do serviço de radiodifusão comunitária, que hoje cria inúmeros obstáculos à digitalização destas emissoras. O enfrentamento e as soluções para estas questões diminuiriam os abismos criados por uma política de comunicação pautada na imposição dos interesses empresariais. Defendemos, ainda, maiores discussões sobre o conceito de multiprogramação, bem como seu impacto e papel no âmbito do rádio digital.
Assim, a FRENTECOM entende que o processo de digitalização do Rádio brasileiro deve estar a serviço, primordialmente, do aprofundamento da nossa democracia, por meio da diversificação das fontes de informação, de difusão da cultura e da garantia da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, conforme prevê a Constituição Brasileira.
As mudanças tecnológicas no setor, em si, não irão democratizar o acesso e a produção do rádio. O debate em torno da escolha tecnológica deve se somar ao esforço, já iniciado pela sociedade civil em uma campanha de mobilização nacional, de revisão do marco legal das comunicações, que completou 50 anos em 2012. Só uma modificação legal que garanta os direitos dos cidadãos e cidadãs pode superar os entraves históricos para a democratização e fortalecimento do rádio brasileiro.
Os impactos tecnológicos
A mudança de sistema analógico do rádio para o sistema digital implica alterações
profundas em todas as suas etapas de realização, desde a industrialização das ferramentas de transmissão, produção e captação de sons, à formação de pessoal habilitado para suprir todos os passos de desenvolvimento produtivo, condução tecno-artística destes instrumentos tecnológicos e capacitação financeira das empresas envolvidas.
Em boa parte dos países, inclusive no Brasil, uma destas questões já está equacionada favoravelmente: a produção dos produtos radiofônicos já se faz em ambiente digital. Porém, o mesmo não se dá em relação à transmissão dos sinais e sua respectiva captação que permanecem, ainda, analógicos.
A mudança para o digital é algo a mais do que a justa e esperada alteração tecnológica que permita a convergência de meios; também é questão de novas linguagens, de produção de conteúdo no rádio digital e de construção de sentido.
O que se espera com a digitalização é uma transformação no processo de criação de conteúdos sonoros, aliando novas possibilidades de conjugação de seus elementos à melhoria da qualidade de informação e à criatividade que explore os recursos tecnológicos disponíveis.
No Brasil e na América Latina foram investidos milhões de reais em equipamentos audiovisuais, mas quanto se investiu exclusivamente em áudio, como linguagem plena?
Índices, pesquisas, dados diversos comprovam a penetração e a credibilidade
do rádio como veículo de larga exposição de mensagens em todas as faixas populacionais,
principalmente entre os jovens. É urgente sua utilização como meio propagador de conteúdos
que garanta presença afirmativa entre as diversas audiências. Isso sem contar fatores como o imediatismo, a instantaneidade e o baixo custo que transformam o rádio em um veículo rápido, versátil e acessível.
Deste modo, é importante ressaltar que a escolha do modelo de rádio digital não se esgota com a definição técnica. É necessário refletir sobre as consequências para o uso e serviços que poderão oferecer, especialmente num país continental, cujo perfil é radiofônico (89% dos lares tem ao menos um receptor de rádio), e defender uma decisão que responda às necessidades do público, bem como dos/as radialistas e radiodifusores/as, e que estejam voltadas para a formação cidadã.
Propostas
Com o intuito de contribuir com o debate, a FRENTECOM apresenta alguns tópicos relevantes para que tal decisão esteja alicerçada em bases e diretrizes de acordo com políticas de desenvolvimento social, econômico, político e cultural:
1. É fundamental a realização de mais testes com os sistemas apresentados e a garantia de atendimento das necessidades de um sistema de rádio que amplie a democracia no setor. Não há urgência de tomadas de decisão por afogadilhos. A opção tecnológica deve ser tomada a partir da discussão pública e do compromisso com a democratização do setor;
2. A decisão pelo sistema a ser adotado deve ser baseada em diretrizes tecnológicas passíveis de atualização por atores nacionais dentro do território nacional, sem custos diretos e indiretos quanto ao uso das especificações dos respectivos códigos-fontes;
3. Imersão e acompanhamento dos desenvolvimentos tecnológicos pela Universidade brasileira por meio do estímulo à pesquisa dentro dos centros de pesquisa e escolas de Engenharia e Comunicação, garantindo o acesso ao conhecimento e sua disseminação, garantindo recursos públicos para a realização de pesquisas, usando a experiência da TV Digital, na qual foram investidos R$ 65 milhões do Fisttel – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações;
4. Produção dos dispositivos de transmissão e recepção de rádio digital em território brasileiro, de acordo com as normas nacionais para a indústria, usufruindo este ecossistema dos incentivos para a pesquisa e inovação atualmente em vigor no país;
5. Incentivo a programas de capacitação de profissionais e projetos de fomento à criação de formatos e conteúdos sonoros de acordo com as possibilidades tecnológicas oferecidas pelo sistema de rádio digital a ser adotado pelo Brasil, espelhados nos gêneros consagrados e adaptados aos cenários do rádio digital, assim como a possibilidade de se produzirem cópias de músicas e programas pelo ar, respeitando-se os direitos autorais, conexos e propriedade intelectual referentes às obras reproduzidas;
6. Promoção de espaços (centros de referência) e políticas de qualificação da sociedade para a produção e a apropriação das novas possibilidades criadas a partir da digitalização, com foco especial na juventude;
7. Disponibilização, por meio dos bancos de fomento do país, de linhas de crédito para a aquisição de equipamentos pelos radiodifusores privados, públicos, educativos e comunitários, por meio de programas de financiamento direto, repasse ou descentralização. Criação de um programa de desoneração de impostos para a linha de produção voltada a transmissores, receptores e demais aparatos necessários para a digitalização das rádios no país;
8. Adoção de tecnologias sonoras digitais que contemplem todas as faixas de frequência e
tipos de serviço utilizados pelo rádio analógico, como as instituídas em bandas de frequência modulada (FM), amplitude média (AM), ondas curtas (OC) e tropicais (OT);
9. Criação de monitoramento da produção de dispositivos com vistas a atingir patamares de preço condizentes com o perfil aquisitivo da população, bem como garantir a oferta de receptores sonoros básicos que ofereçam os recursos tecnológicos condizentes ao uso das facilidades do modelo digital sonoro, tanto as já existentes quanto as que forem criadas, em relação ao acesso à informação, à cultura e ao entretenimento;
10. Dar continuidade ao CCRD, bem como conferir transparência e divulgação clara dos atos, realizando audiências públicas em todo país. Também deve-se garantir a presença de todos/as representantes do CCRD nas reuniões do Conselho;
11. Incluir a discussão sobre o Operador de Rede Pública para TV Digital, a fim de avaliar as possibilidades de ampliar seu escopo para os veículos públicos e comunitários de rádio, garantindo assim uma infraestrutura comum para a digitalização dessas emissoras;
12. Criação de um novo plano de outorgas que garanta que a digitalização das emissoras de rádios favoreça a entrada de novos atores públicos e comunitários, fortalecendo o Sistema Público de Comunicação previsto na Constituição.
Fonte: FNDC