Responsável por uma missão nada fácil, presidir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a rede pública de TV lançada em dezembro pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, a jornalista Tereza Cruvinel é taxativa ao afirmar que o direito à informação, através de um bom jornalismo, será um dos pilares da programação que está sendo fechada para entrar no ar em março. “Que não seja chapa-branca nem confunda independência com obrigação de fazer oposição ao governo”, ressalta.
A TV Brasil está subordinada a um Conselho Curador, formado em sua maioria por representantes da sociedade civil, de variadas correntes de pensamento, de diferentes regiões e formações profissionais, e que terá, além da fiscalização, a responsabilidade de zelar pela natureza pública da TV, propondo linhas de programação, definindo a política editorial e acompanhando, através de grupos de trabalho, as diferentes faixas de programação.
Cruvinel assume que a trajetória é longa e árdua, mas se mostra disposta a enfrentar o desafio, e promete avanços para ainda este ano. “Na implantação, na construção da rede, mais e melhor jornalismo, um grande programa de fomento à produção independente, contemplando animação, dramaturgia e documentários, mais os sinais concretos de que a TV Brasil será pública e não governamental”, diz.
Tribunda da Imprensa – Qual é a caracterização de uma TV pública?
Tereza Cruvinel – A TV pública, nos países que têm um sistema público de comunicação, juntamente com o privado e o governamental, deve ser entendida como um serviço público. O Estado pode financiá-lo total ou parcialmente, mas a sociedade deve exercer um controle social sobre esta atividade. Neste sentido, a TV pública não deve estar subordinada nem às regras do mercado nem ao poder político, mas sim a um organismo de representação com poder efetivo. No caso da TV Brasil, ao Conselho Curador, que tem maioria de representantes da sociedade civil. É bom lembrar que a Constituição, no artigo 223, prevê o sistema público de comunicação.
Quais as diferenças em relação às TVs comerciais?
Basicamente, uma diferença de programação. A natureza não-comercial da TV pública possibilita a abertura de espaços para o debate das questões de interesse público, nacionais ou locais. Deve ainda espelhar em sua programação a diversidade cultural de um país continental como o Brasil, incorporando informações sobre as realidades regionais e valorizando a produção das TVs públicas associadas. Deve, ainda, assegurar espaços de veiculação para a riquíssima produção áudio-visual independente, que tem oportunidades restritas na TV comercial. E, por último, mas não menos importante, ajudar a garantir o direito à informação, através de um bom jornalismo. Que não seja chapa-branca nem confunda independência com obrigação de fazer oposição ao governo.
E em relação a uma estatal?
As TVs estatais são essencialmente governamentais, controladas por um dos três poderes: NBR, do Executivo Federal, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, etc. Até a própria Radiobrás, antes de sua absorção pela EBC. A TV Brasil não exibirá programas de caráter governamental. Para divulgar seus atos e realizações, o governo usará o canal governamental a cabo, o NBR, que no futuro deve ser aberto. A TV Brasil será generalista, terá faixas de programação diversas, mas com aquele foco que mencionei: cultura, cidadania, informação.
Quais foram as principais linhas que nortearam o governo no patrocínio da TV pública?
O governo acolheu uma demanda de amplos setores da sociedade brasileira, a exemplo dos movimentos pela democratização das comunicações, comunicadores, TVs do campo público, entre outros, e que participaram do Fórum pela TV Pública. Este fórum entregou ao presidente Lula a Carta de Brasília, cobrando o cumprimento do artigo 223 da Constituição. Naquele momento, ele se comprometeu com a proposta e depois encarregou o ministro Franklin Martins de implantá-la. O ministro, por sua vez, criou um grupo de trabalho que estudou as experiências existentes e formulou uma proposta mais adequadas à nossa realidade. De modo que foi esta, basicamente, a origem do projeto que estamos implantando.
Como será feito o financiamento da nova TV?
A MP (Medida Provisória) que está no Congresso prevê, como fonte de financiamento, dotação orçamentária, publicidade institucional (vedada a publicidade de produtos e serviços), apoios culturais, doações e prestação de serviços. O relator, deputado Walter Pinheiro, está propondo, ainda, a vinculação de uma parcela do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), o que daria uma saudável segurança e uma desejável autonomia financeira para a TV pública.
Qual balanço das transmissões feitas até o momento?
Em três semanas de gestão, acho que avançamos bastante. Unificamos a programação da TVE e da Radiobrás, colocamos no ar um telejornal que está sendo retransmitido em 18 estados, por emissoras do campo público. A grade resultante da fusão está sendo administrada com melhoras, a exemplo da excelente programação de filmes nacionais e de documentários. Avançamos na construção da rede e houve a posse do Conselho Curador. Agora, é preciso algum tempo para renovarmos a programação, e em televisão isso não acontece da noite para o dia.
E o cronograma previsto?
Dentro de dois ou três meses vamos ter uma identidade visual definitiva e alguma renovação da programação. Isso é um processo, agora é trabalhar, mas com planejamento e persistência.
A TV Pública dispõe de um Conselho Curador, composto por 20 pessoas, cuja responsabilidade será fiscalizar o conteúdo, com o fim de evitar o risco de manipulação política. Quais os parâmetros para a fiscalização?
A função do Conselho vai além da fiscalização. Ele vai zelar pela natureza pública da TV, propondo linhas de programação, definindo a política editorial, acompanhando, através de grupos de trabalho, as diferentes faixas de programação. Dos 20 conselheiros, 15 são representantes da sociedade, de variadas correntes de pensamento, de diferentes regiões e formações profissionais. São personalidades de destaque em suas áreas de atuação, de elevado conceito e credibilidade, aptos a julgar a qualidade do serviço prestado pela TV pública. Os membros do Conselho irão aprovar anualmente um plano de trabalho e fiscalizar a sua implementação, tendo poderes, inclusive, para aprovar voto de desconfiança ao diretor-presidente, a um diretor isoladamente ou a toda a diretoria, como ocorre em TVs públicas bem sucedidas em outros países. Os nomes são conhecidos, variados e respeitáveis.
O Conselho Curador, na prática, será suficientemente ágil para evitar a intromissão do governo no desenvolvimento de um jornalismo independente?
O presidente do Conselho, Luiz Gonzaga Beluzzo, já disse que denunciará a primeira tentativa de manipulação política que for identificada. Não creio que isso vá ocorrer. A diretoria faria o mesmo diante de eventuais pressões. Agora, não basta acreditar no Conselho, é preciso que a própria sociedade tome a TV pública como coisa sua, e seja vigilante. Acredito que a sociedade não ficaria passiva diante de uma TV chapa- branca, subordinada a interesses políticos. Ela disporá, para sua manifestação, da Corregedoria do Conselho e da Ouvidoria, em nível de diretoria.
Quais serão os mecanismos de controle social implantados?
Além do Conselho Curador, a TV Brasil contará com uma Ouvidoria bem equipada para receber as sugestões e críticas dos telespectadores. Também estão no ar os sites www.tvbrasil.org.br e www.ebc.tv.br, com enquetes para conhecer o gosto do público e um espaço para mensagens e dúvidas do internauta. Vamos aprofundar as consultas públicas. Este conjunto de instrumentos propiciará uma inter-relação intensa com a sociedade. Estamos abertos a adotar outros mecanismos que sejam sugeridos, sejam viáveis e eficientes.
Quais serão as diretrizes do jornalismo da TV Brasil?
Jornalismo plural, isento, com foco no cidadão, muito voltado para a diversidade do Brasil, embora atento ao que acontece na superestrutura social: governos, Congresso, instituições. Mas pensando o Brasil como um todo e invocando sempre, ao construir uma pauta, o que seja de interesse público.
Não será possível a interferência na linha editorial da nova TV frente à abertura de publicidade institucional de empresas de direito privado?
Publicidade institucional produz uma receita tão residual que não permitiria este poder ao anunciante.
Como será feita a contratação do corpo funcional?
A EBC, empresa gestora do sistema publico de comunicação, vai absorver todos os funcionários da TVE e da Radiobrás. Contratações novas serão muito poucas, para cargos de confiança restritos, por análise curricular, como permite a MP, pelo prazo de 90 dias. Para futuras contratações, por concurso.
E neste processo, como fica a situação dos servidores celetistas e estatutários da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp)?
O contrato de gestão entre a União e a Acerp está sendo renovado, preservando os contratos funcionais dos celetistas e renovando a cessão dos estatutários.
Existe o perigo de demissões?
Não há plano de demissão.
Na sua opinião, qual será o grande diferencial da TV Pública no que tange aos debates sociais?
Queremos mais programas de debate. Há poucos na televisão brasileira e o melhor deles, o Roda Vida, é feito por uma TV pública, a TV Cultura de São Paulo.
De que forma serão postos em prática tais diferenciais?
Pela diretoria, com absoluta autonomia. Temos trabalhado com absoluta liberdade, correndo o risco de acertar e de errar. E agora, desde o dia 14 de dezembro, em sintonia com o Conselho.
Outros meios, como rádio e internet serão contemplados?
Sim, todas as emissoras federais passarão a ser exploradas pela EBC. São elas a Rádio Nacional AM, Rádio Nacional FM (Brasília), Rádio Nacional da Amazônia (OC),Rádio Nacional AM-RJ, Rádio Mesorregional do Alto Solimões (AM-Tabatinga) e, no âmbito da Acerp, as rádios MEC AM e FM, esta última retransmitida em Brasília. A Agência Brasil, portal de notícias da Radiobrás, será fortalecida como provedor de conteúdos de livre acesso. Nosso sistema de Web contemplará, é claro, a convergência tecnológica.
O que a TV Pública promete para 2008?
Avanços na implantação, na construção da rede, mais e melhor jornalismo, um grande programa de fomento à produção independente, contemplando animação, dramaturgia e documentários, mais os sinais concretos de que a TV Brasil será pública e não governamental. Já estará de bom tamanho tudo isso.
Fonte: Observatório do Direito à Comunicação (11/01/2008)
Link: https://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=2316