Quase dez anos depois de o país ter escolhido o padrão japonês de TV Digital, o governo ainda tateia o melhor caminho para fazer essa novidade deslanchar. Nos televisores domésticos, a aposta atual é na distribuição de equipamentos aos mais pobres. Nos celulares, a política pública vai tentar um novo caminho: sai a utilização do sistema de interatividade desenvolvido no país em troca de uma meta mais agressiva de aparelhos com recepção de TV.
A nova política começou a se materializar na semana passada, quando foi aberta uma consulta pública sobre o sistema de incentivos fiscais aos celulares na qual fica removida a obrigatoriedade de implantação do brasileiro Ginga, o sistema operacional de interatividade do padrão nacional de TV Digital.
A obrigatoriedade envolve não mais de 5% dos aparelhos fabricados – quer dizer, montados – no país e que recebem isenções fiscais. Ouvidos ministérios, Anatel, operadoras, fabricantes e tevês, a avaliação comum é de que a regra de inclusão do Ginga atrapalha a disseminação da TV Digital.
A resistência maior seria das operadoras, que fazem grandes encomendas e são elas mesmas vendedoras de celulares. “Os fabricantes se queixam que as operadoras querem pagar o mesmo, ainda que os aparelhos recebam TV Digital”, diz o diretor de indústria e C&T do Ministério das Comunicações, José Gontijo.
“As empresas de telecom não querem pagar qualquer valor a mais, nada. E os fabricantes têm margens apertadas, até porque é uma plataforma de fabricação global”, faz coro o diretor do departamento de indústria de base tecnológica do Ministério do Desenvolvimento, Alexandre Cabral.
Foi a partir do GT-PPB, coordenado por Cabral, que se construiu a mudança de abordagem. A briga pelos custos seria apenas um aspecto – até porque, nas contas do MDIC, a inclusão do Ginga nos celulares tem impacto relativo, entre R$ 5 a R$ 10. Também teria pesado a curta vida útil dos aparelhos.
“Na televisão, a política faz sentido pela resiliência. Um televisor no Brasil dura 15, 20 anos. Da sala vai para o quarto, depois para a cozinha, para a churrasqueira. Celular dura um ano e vai para a gaveta ou para o lixo. Depois, celular já tem interatividade. E o Ginga nunca foi uma unanimidade”, pontua Cabral.
O resultado é que o governo topou sumir com o Ginga dos celulares, mas vai impor uma nova exigência que, na prática, aumenta o número de equipamentos capazes de receber sinais de TV Digital para quatro em cada dez aparelhos a partir de 2016 (em 2015 o percentual será 10%).
O que melhor explica a mudança na política é uma confluência de interesses, ainda que não tenham sido combinados. Mais do que o preço do Ginga em si, pelo menos parte da indústria tem interesse em adotar suas próprias plataformas de interatividade – e, portanto, específicos modelos de negócio.
Por outro lado, os radiodifusores passaram a pressionar pela multiplicação de aparelhos capazes de receber a TV Digital “pelo ar”. Cabral, do MDIC, resume o movimento ao dizer que “o broadcast acordou tarde”. Para quem lembra como a turma ‘embarreirou’ a interatividade na TV Digital, faz sentido.
Há mais do que isso. Com a tendência natural de que os portáteis tenham gradativamente cada vez bandas mais largas, a TV aberta, ainda que de qualidade digital, enxerga o risco de ser atropelada por netflixes, serviços de vídeo das próprias operadoras ou tudo o que uma Internet rápida à mão pode oferecer.
Fonte: Convergência Digital