A entrevista foi dada a jornalista Cristina De Luca do site IDGNOW.
Na conversa, o “pai do Ginga” (o professor Luiz Fernando Soares, da PUC-Rio) voltou a revelar alguma preocupação com a necessidade de testes de conformidade das implementações do middleware já existentes em relação às normas, para assegurar a compatibilidade das aplicações interativas com os produtos usados para rodá-las. E também com fato de só uma empresa, até agora, ter desenvolvido uma implementação do Ginga completo.
Do ponto de vista da disseminação e consolidação do padrão brasileiro de interatividade, seria bom que outras também o fizessem.
Como já há algum tempo venho solicitando uma entrevista com o professor, ele autorizou a publicação da conversa aqui.
Como um dos criadores do middleware Ginga, como o senhor vê hoje o mercado?
Ao mesmo tempo feliz e preocupado, mas muito mais preocupado que feliz. Feliz por ver finalmente o middleware, tanto em dispositivos fixos quanto portáteis. Preocupado, pelo fato de só termos uma única implementação para fixos. Para os portáteis nós temos pelo menos a implementação do Ginga-NCL dos portáteis da LG, a dos portáteis da Nokia e a implementação de referência feita pela PUC-Rio. Já para os terminais fixos a versão completa com o Ginga-J, até onde eu conheça, só existe na implementação da TQTVD, rodando em plataformas de mais de um receptor. As outras implementações, encontradas em alguns set-top boxes, só oferecem o Ginga-NCL e, portanto, não são completas conforme o padrão brasileiro.
Por que essa situação, comum em segmentos novos de mercado, pode ser um risco?
Por que uma única implementação sem ter ainda os testes de conformidade do Ginga pode causar um estrago muito grande se não for conforme e, mesmo sendo, para o consumidor, é péssimo não haver concorrência. O governo deveria atentar pata esse fato em sua política industrial para TV digital.
As implementações do Ginga-NCL nos portáteis são conformes?
Não sei te dizer. A PUC-Rio não fez nenhuma análise em nenhuma implementação, seja para fixos ou para portáteis. Se formos chamados para fazer, faremos, desde que seja oficialmente pedido pelo governo ou algum órgão fiscalizador da sociedade.
Os portáteis me preocupam um pouco menos, porque só têm o Ginga-NCL, e para o Ginga-NCL temos mais de uma implementação comercial, como disse.
Já que tocamos no ponto de conformidade, muito se tem reclamado, nas várias listas de discussões e em blogs, sobre as implementações Ginga hoje no mercado, e também das aplicações transmitidas. Como o senhor vê a situação?
Como eu disse, nós da PUC-Rio não podemos afirmar se tem implementações de middlewares conformes ou não, pois não fizemos os testes.
Quanto às aplicações, nós temos feito testes sim, mas só para os próprios proprietários das aplicações que nos pedem para atestar que suas aplicações são conformes à Norma do Ginga-NCL. Não fazemos testes que não sejam pedidos pelos proprietários das aplicações. Podemos fazer sim, desde sejam oficialmente pedidos pelo governo ou algum órgão fiscalizador da sociedade.
Pelo que entendi de suas respostas, com um único fabricante no mercado de receptores para o Ginga completo pode-se correr o risco de todas as aplicações criadas se preocuparem em rodar apenas nele, estabelecendo um padrão de fato?
Se ele não estiver conforme, corremos sim, caso o governo ou algum órgão de defesa do consumidor não tomem providências, se for o caso. Isso pode sempre acontecer com qualquer produto com uma única implementação. Essa é uma das minhas preocupações com relação aos terminais fixos, além do fato de a não concorrência, no final, prejudicar aos consumidores.
Mas os instrumentos estão aí. Mesmo não se estando ainda prontas as normas para testes de conformidade do subsistema Ginga-J, as Normas do Ginga como um todo estão prontas e devem ser obedecidas. Verificar que um produto é conforme precisa da suíte de testes, mas verificar se não é conforme é bem mais fácil, basta falhar em um teste.
Aliás, é bom que se diga, não existe uma implementação garantidamente conforme; existe uma implementação conforme segundo uma determinada suíte de testes que deve, aos poucos, incorporar novos testes, ao se detectarem não conformidades.
Como não são completas, é bom que se tenha mais de uma suíte de testes também. Não gosto nem de imaginar: um único fabricante e uma única suíte de testes. Nem uma coisa nem outra; o governo e nós, a sociedade, temos a obrigação de zelar para que isso não aconteça. Se acontecer, e eu digo se, o governo será responsabilizado e nós também, além de pagarmos o preço como consumidores.
Mudando de assunto, como criador do Ginga-NCL, como o senhor vê a decisão Argentina de adotar só o Ginga-NCL e agora dizem que também a Bolívia?
Primeiro eu não vi em nenhum lugar oficial que a Argentina ou a Bolívia tenham adotado só o Ginga-NCL e acho que isso não é verdade.
O que a Argentina fez foi partir inicialmente só com o Ginga-NCL e foi uma atitude corretíssima e séria do governo Argentino, na minha opinião. Correta porque, visando a criação de empregos locais, a indústria local e o consumidor local, eles decidiram que enquanto não dominarem os processos do Ginga-J e não existir mais de um fornecedor da tecnologia no mercado, eles ficam apenas com o Ginga-NCL, que eles já dominam e, hoje, no mesmo nível, se não maior, que as empresas brasileiras, exatamente por terem tomado essa atitude correta. Isso não significa, entretanto, que eles estão parados e nem que não vão caminhar para o Ginga completo. Significa apenas que o farão com controle. Uma decisão correta que eu parabenizo o governo daquele país.
Mas no encontro em agosto o governo brasileiro vai tentar que eles mudem de posição..
Eu não acredito nisso. O que o governo brasileiro quer, no meu entender, é discutir uma processo de harmonização. Pode até ser, embora eu não creia que isso vá acontecer, que a harmonização seja, no fim, o Ginga-NCL.
Enfim, o que o governo brasileiro quer, no meu entender, é uma harmonização que pode acontecer no médio prazo, quando todos dominarem as tecnologias. Isso é o máximo que se pode querer sem ferir a autonomia dos países. O resto é desejo de empresas que querem dominar o mercado de forma geral e vêm na concorrência uma ameaça. Felizmente, por enquanto, isso não está prevalecendo. Começar só com o Ginga-NCL não deixa legado. Pior foi começar com o “zapper”, como fizemos.
Por falar nisso, como anda a padronização do Ginga-NCL no ITU-T?
Vai muito bem. Nossa vida internacional, por incrível que pareça, é muito mais fácil que a nacional, porque lá basta apenas mostrar nossa qualidade e nisso o Ginga-NCL é muito forte, e espero que continue evoluindo e que mantenha essa posição.
Recentemente a implementação da PUC-Rio foi reconhecida como a implementação de referência do ITU-T. Estamos correndo para melhorá-la ainda mais e torná-la ainda mais completa.
A suíte de testes do Ginga-NCL proposta pela PUC-Rio foi aprovada como Draft ITU-T ( note que ela existe no ITU-T), e a PUC-Rio foi encarregada de sua implementação, o que está fazendo coordenando os trabalhos que vêm sendo executados junto com outras empresas e órgãos de regulação, em âmbito internacional.
Para complementar esse post nosso amigo Valdecir Becker fez um post em seu blog que vale a pena ser lido http://blog.itvproducoesinterativas.com.br/2010/07/29/risco-de-monopolio-do-ginga/