Em entrevista ao jornal Engenheiro, da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Luiz Fernando Gomes Soares externou sua preocupação com pressão do mercado.
Semanas antes de morrer, o engenheiro eletricista Luiz Fernando Gomes Soares, professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), e idealizador do Ginga, middleware que uniu tecnologia japonesa para TV digital com interatividade genuinamente brasileira, expressou preocupação com o lobby dos fabricantes dos conversores para a mídia digital, que há algum tempo vêm pressionando pelo barateamento do equipamento.
“As empresas pensam somente em ganhar dinheiro e fazem pressão para isso. Cabe ao governo ceder às pressões ou não. Para o fabricante do conversor, incluir o Ginga representa um custo. Assim, para garantir o mínimo de investimento, vão pressionar por um perfil mais simples”, declarou Gomes Soares em entrevista concedida, por Skype, ao Jornal Engenheiro, da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), em 27 de julho.
Já naquela ocasião, havia rumores de que a promessa de distribuir os conversores, digitais com o sistema Ginga integrado, às 14 milhões de famílias beneficiadas pelo programa social Bolsa Família, no desligamento da TV analógica (também conhecido como switch-off), estava ameaçada.
O Ginga é resultado de investimento público da ordem de R$ 60 milhões, envolvendo 1500 pesquisadores de todo o País, em diversas instituições de pesquisa, universidades e indústria. Atualmente, é adotado por 17 países da América Latina e da África. É ele que proporciona ao sistema de TV Digital brasileiro uma dinâmica de participação inédita, a partir da produção de vídeos e aplicações interativas, que são enviadas ao televisor do telespectador, com conteúdos não-lineares, possibilitando que o mesmo interaja com os conteúdos, a partir de uma conexão com a internet. É o que se chama de TV integrada broadcast/broadband (IBB-TV), onde a convergência da TV com a Internet se faz presente.
O único aplicativo desenvolvido até agora que prevê interação é o Brasil 4D, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que oferece serviços de governo eletrônico como marcação de consultas no Sistema Único de Saúde (SUS), acesso a benefícios do INSS e até serviços de busca de emprego. No entanto sem o Ginga, e sem conexão com a internet, apesar da interação remota garantida, haverá comprometimento do projeto Brasil 4D.
O impasse sobre a fabricação dos conversores digitais acabou gerando atraso no cronograma de desligamento da TV analógica, que vinha sendo anunciado para ter início em novembro de 2015. Na quarta-feira (20/1), o Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (Gired), que coordena a transição da TV digital, decidiu, por consenso, adiar o cronograma de desligamento da TV analógica de 2018 para 2023.
Até 2018, somente grandes cidades onde há mercado de TV digital e de banda larga haverá o desligamento – isso inclui todo o estado de São Paulo e todo o Rio de Janeiro, além de uma parte dos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. De acordo com sites especializados do setor, ficou decidido que nessas cidades haverá mais distribuição do conversor de TV digital, com capacidade para receber os aplicativos do governo.
Cidades menos povoadas também serão desligadas até 2018, mas a lista completa só será decidida após análise da expansão efetiva da TV digital. Porém, a maior parte dos 5.600 municípios do País só terão sinal digital exclusivo em 2023. Também ficou acertado que neste ano somente Brasília terá sua TV analógica desligada. A nova proposta, implicará no engajamento de todo o governo, pois demandará novo decreto presidencial e novas portarias ministeriais.
No entanto, o ponto mais discordante, a mudança do Ginga, ficou para ser decidido em outra reunião ainda sem data anunciada. Já estava definido, entretanto, que os conversores não teriam moden integrado para acessar a internet. Ou seja, a população terá que adquirir no mercado.
Carta da sociedade civil
Um grupo de entidades ligadas à democratização das comunicações enviou, recentemente, uma carta à presidente Dilma Rousseff, em de para que seja revertida a decisão, anunciada pelo Gired, de distribuir conversores de TV digital sem a interatividade plena. Na carta, as organizações alertam que a decisão do grupo em oferecer um conversor apenas com zapper, com capacidade de recepção do sinal digital, “significa que mais da metade da população brasileira que não têm acesso à banda larga fixa nem móvel permanecerá excluída, sem acesso às tecnologias de comunicação e informação.”
De acordo com o documento, a distribuição de conversores diferentes para a população de baixa renda levará o País a um retrocesso e ampliação de divisões sociais: “Serão dois Brasis? Um que usufrui dos benefícios da inclusão digital e o outro, interiorano, pobre, desconectado, carente de acesso às políticas e serviços públicos?”. A carta é assinada por Nação Hip Hop Brasil, APG-UNB – Associação de pós graduandos da UNB, OLAICD – Escritório Sul (Observatório Latino-americano da Indústria de Conteúdos Digitais), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Nova proposta
O superintendente executivo de relacionamento institucional da EBC, André Barbosa, apresentou alternativa intermediária de modelo de conversor para TV Digital com objetivo de tentar salvar a interatividade do sistema Ginga. A proposta foi apresentada em reunião do Gired, na quarta, sendo uma opção mais econômica para os fabricantes, que têm pressionado o governo a reduzir as especificidades do conversor.
Ele conversou com fabricantes e reconheceu que as especificações da caixinha aprovada pelo Gired – distribuída pelos beneficiários do Bolsa Família em Rio Verde, cidade escolhida para realizar o primeiro desligamento do sinal analógico em todo Brasil – ficou muito cara após a disparada do dólar, mas argumenta que o equipamento sem interatividade não atende aos objetivos do governo de levar seus programas e serviços por meio de aplicativos, que seriam acessados por meio da interatividade. A interatividade é especialmente demandada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que supervisiona as políticas públicas voltadas à população de baixa renda, registrada no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
O superintendente da EBC explica que, com a alta do dólar, a ‘caixinha’ com o Ginga aprovada chegou ao preço de R$ 160, o que dificulta fechar as contas para os recursos destinados para a compra, em torno de R$ 1 bilhão dos R$ 3,6 bilhões pagos pelas teles, que compraram a frequência de 700 MHz, para a limpeza da faixa. O novo modelo proposto pela EBC, que vem com o que chama de “Ginga light”, ficaria em torno de R$ 100.
Barbosa alerta sobre uma a em análise no Gired, que prevê a distribuição da caixinha interativa aos integrantes do Bolsa Família somente para cidades com mais de 100 mil habitantes. Nas demais cidades, seria distribuído o conversor simples, com capacidade somente de receber áudio e vídeo.Ou seja, somente cerca de cinco milhões de unidades teriam interatividade, o que prejudicaria enormemente a maioria das famílias de baixa renda, que perderia a oportunidade de acesso à internet por meio desses aparelhos.
“Se não houver pressão dos produtores de conteúdo lançando aplicações interativas que demandem um ginga ágil e completo, e sem por outro lado, também não houver incentivo do Estado, vamos continuar com um interatividade pobre, como as apresentadas atualmente”, previu Luiz Fernando Soares, que morreu vítima de um infarto, no dia 8 de setembro de 2015, no Rio, onde morava – leia entrevista completa no jornal da FNE aqui; e saiba mais na página 4 da edição 478 do Jornal do Engenheiro aqui.
Fonte: CNTU