jan 20

A participação de órgãos públicos na manutenção das redes de retransmissão de emissoras de TV privadas não é privilégio das prefeituras brasileiras [ver ‘Prefeituras financiam emissoras comerciais de televisão’ e ‘Demanda atendida é desprezada por modelo de negócio’]. O envolvimento dos estados da federação nesta promíscua relação também é exemplo do total descontrole que impera no setor de radiodifusão do país. Para demonstrar como os estados patrocinam, com dinheiro público, a consolidação dos sistemas privados de televisão, é preciso lidar com uma dose de informalidades e contornar dados caducos.

Foi esta a situação encontrada pelo Observatório do Direito à Comunicação ao fazer um levantamento das autorizações para retransmissoras de TV (RTV) em nome de órgãos públicos estaduais. A pesquisa no banco de dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) apontou três estados onde fundações ou departamentos específicos teriam um grande número de RTVs cedidas a TVs comerciais: Minas Gerais, Pernambuco e Ceará.

Consultados, cada órgão descreveu situações tão surpreendentes quanto o já conhecido caso da Fundação de Telecomunicações do Pará (Funtelpa), alvo de investigações do Ministério Público Federal. No caso de Pernambuco, até mesmo os dirigentes do órgão responsável mostraram-se surpresos. Segundo Wellington Sampaio, diretor-técnico do Departamento de Telecomunicações de Pernambuco (Detelpe), ainda não se sabe como 52 canais de retransmissão autorizados em nome do departamento eram, até pouco tempo atrás, usados pela Rede Globo para levar seu sinal ao interior do estado. “A gente está tentando entender como isso aconteceu”, comenta Sampaio, referindo-se à falta de registros ou informações sobre contratos ou convênios entre o governo pernambucano e a empresa.

Ainda segundo o diretor, durante a atual gestão, “a Globo devolveu à TV Pernambuco a maioria dos canais”. Com isso, o canal público ampliou sua área de cobertura e chega agora a 76 municípios.

Porém, nem todos os canais foram devolvidos. Nas palavras do diretor-técnico, a TV Grande Rio, afiliada da Globo na região de Petrolina, “está fazendo jogo duro”. Interessante notar que essa emissora não está citada no banco de dados da Anatel como geradora do sinal de qualquer uma das retransmissoras do Detelpe. Em Petrolina, o departamento teria duas autorizações de RTV: o canal 13 e o canal 6 (que estaria cedido à Globo). A TV Grande Rio ocupa o canal 2.

Discrepâncias

No caso cearense, é exatamente a discrepância entre os dados da Fundação de Tele-educação do Ceará (Funtelc) e o banco de dados da Anatel que salta aos olhos. A pesquisa oficial aponta 152 RTVs autorizadas à Funtelc, todas elas cedidas ou à TV Verdes Mares ou à RedeTV!. A fundação informa que são 153 retransmissoras, todas funcionando para levar o sinal da TV Ceará para o interior. A localização das RTVs nas duas listas também não confere, na maioria dos casos.

Questionado sobre os dados oficiais, o coordenador-executivo da Funtelc/TV Ceará, Pedro Idelano de Alencar Felício, afirmou que “nunca aconteceu de ter retransmissoras a serviço das TVs privadas”. A informação pode ser válida para o período mais recente, porém, como informam funcionários da TV Verdes Mares, até 1994, as retransmissoras eram licitadas pelo governo estadual.

Os dados dos Sistemas Interativos da Anatel, portanto, podem estar refletindo uma situação de mais de 10 anos atrás. Consultada, a agência informou que os bancos de dados são de responsabilidade conjunta da Anatel e do Ministério das Comunicações. Especificamente, as informações sobre concessões e autorizações são de responsabilidade do Ministério.

Terra de ninguém?

A diferença de informações entre o banco de dados dos órgãos reguladores e o que informam as entidades estaduais é ainda mais sensível quando se tenta demonstrar a situação do estado do ministro Hélio Costa. Os dados oficiais apontam 65 RTVs em nome do Departamento de Telecomunicações de Minas Gerais (Detel), sendo 62 retransmitindo o sinal de emissoras privadas e 3, da TV Minas.

O departamento, por sua vez, informa ter instaladas 1.019 estações retransmissoras. Destas, 781 fazem parte do sistema de retransmissão da Rede Minas, emissora educativa ligada ao governo do estado. O Detel informa, ainda, que possui 234 transmissores cedidos a emissoras comerciais. Outros 43 são usados por TVs educativas locais (algumas delas ligadas a fundações privadas, mas afiliadas à Rede Minas) e 9 retransmitem o sinal da TV Universitária de Lavras.

No caso mineiro, foi possível compreender as razões para tamanha discrepância: a morosidade na análise dos processos pelo Ministério das Comunicações. Segundo Ana Flávia Soares Prates, engenheira de operações do Detel, todos os retransmissores “estão regularizados”. “Toda a parte burocrática está entregue ao Ministério”, disse. “Como os processos estão há muito tempo parados, tudo entrou em funcionamento.”

Fonte: https://www.direitoacomunicacao.org.br

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