O Ministério das Comunicações e a Anatel dizem desejar e defender a interatividade plena na TV Digital, mas ambos chancelaram a opção das operadoras móveis e das emissoras comerciais de dar aos brasileiros mais pobres equipamentos sem canal de retorno, sem conectividade – o que, por óbvio, limita essa mesma interatividade, para dizer o mínimo.
“O governo tem preocupação que não haja duas tevês, uma para os que tem maior poder aquisitivo, outra para os mais pobres. O governo tem a clara noção de que a conquista da TV Digital deve servir a todos”, declarou o secretario de Comunicação Eletrônica do Minicom, Emiliano José, ao participar de debate na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, nesta terça, 2/6, mas não voltou atrás da decisão de cobrar pela interatividade de quem não tem condições de pagar.
A Anatel, que se posiciona como a responsável pela presença do Ginga C na especificação do conversor que será distribuído aos beneficiários do Bolsa Família, é ao menos mais direta sobre o impacto da escolha de um equipamento que tem entradas para cabo ou USB – ou seja, para internet fixa ou móvel – mas não inclui a conectividade em si.
Tem-se, como explicou o conselheiro Rodrigo Zerbone, “uma interatividade de dois níveis, mais restrita, em que o telespectador somente tem acesso àquilo que a própria emissora coloca em sua programação. A interatividade plena depende do canal de retorno, que só pode ser alcançado com alguns serviços de telecomunicações, internet fixa ou móvel”.
Como a preocupação do grupo que reúne teles e tevês é com o orçamento da transição, Zerbone reconhece que a conectividade “foi pensada como questão complementar devido a limitação dos recursos alocados para o projeto”. Como insistiu, “os conversores serão preparados para a possibilidade de receber essa interatividade plena, mas o serviço fixo ou móvel tem que ser adquirido pelo telespectador, ou garantido por programa público ou pelo interesse privado”.
É fato que a migração digital – que envolve distribuição de transmissores às emissoras de TV, receptores (conversores) à população carente, publicidade e pesquisa de cobertura – envolve cifras grandes. O orçamento previsto é de R$ 3,6 bilhões. No entanto, quando os custos são mencionados há um aparente subtexto de que o dinheiro é um presente ou foi tomado à força das operadoras de celular.
Para todos os efeitos, esse valor foi na verdade o desconto no preço dos nacos da faixa de 700 MHz que Vivo, Tim, Claro e Algar adquiriram no ano passado. Trata-se de uma fatia especialmente cobiçada do espectro radioelétrico pois permite maior eficiência à oferta acesso móvel à internet – e a um custo muito inferior de implantação do que a atual faixa usada para o 4G, 2,5 GHz.
Se resta evidente que não interessa a nenhum dos envolvidos que o custo da migração ultrapasse os R$ 3,6 bilhões previstos, vale mencionar que governo e Anatel atuam, na prática, como se esse fosse um teto intransponível. Mas não é isso que previa o edital do leilão da faixa de 700 MHz, regras aceitas pelas operadoras que dele participaram.
Lá está expresso que “caso o repasse de valores se mostre insuficiente para a integral execução das atividades [de migração para o sistema digital] o Gired deverá informar ao Conselho Diretor o montante dos recursos faltantes, que deverão ser aportados pelas proponentes vencedoras, com divisão proporcional dos custos de ressarcimento”.
É certo que ainda existem custos que não estão claramente dimensionados – particularmente as pesquisas que vão medir se cada município atingiu o mínimo necessário de 93% de domicílios aptos a receber a TV Digital. Mas até aqui os números indicam que o conversor escolhido, sem conectividade, vai implicar em desembolso de um terço do orçamento total previsto.
Estimativas da EBC sugerem que incluir modems 3G nesses conversores custaria R$ 200 milhões – levando a conta com esses aparelhos para algo perto de R$ 1,5 bilhão. É um bocado de dinheiro, mas vale a lembrança feita no debate pelo senador Walter Pinheiro (PT-BA): “A TV digital não veio só para resolver o problema do chuvisco, mas permitir que a televisão possa interagir, não apenas consultando serviços, mas enviar também”.
Fonte: Convergência Digital