Ficou com a Agência Nacional de Telecomunicações a coordenação do processo de implantação da TV Digital no Brasil. A agência vai definir quão boa será a interatividade na televisão, particularmente aos brasileiros mais pobres. Mas será também responsável pelo ritmo em que as emissoras abertas locais estarão na grade de programação dos mais abastados, que assinam TV paga.
Curiosamente, é uma atuação com impacto nos dois extremos da pirâmide social. De um lado, a Anatel pilota a implementação da TV Digital e vai definir este mês a configuração de 14 milhões de conversores de sinais digitais para televisores analógicos que serão distribuídos aos beneficiários do Bolsa Família. A depender da configuração, os mais pobres terão ou não a prometida interatividade – além da possibilidade de que a TV seja ferramenta de inclusão digital.
No lado de cima da pirâmide, também virá da Anatel uma decisão com impacto sobre cerca de 12 milhões de acessos de TV por assinatura via satélite, ou DTH no jargão do setor. Nesse caso, também haverá a distribuição – ou substituição – de milhões de set top boxes. Mas aqui, ao contrário da implantação da TV Digital, os interesses das emissoras de televisão e das teles são bem distintos.
A legislação da TV paga (Lei 12.485/11, ou Lei do Seac) tem regras para o carregamento obrigatório de canais abertos, mas criou uma exceção quando o serviço é por tecnologia DTH. Com menor capacidade que o cabo, o serviço por satélite pode optar por não transmitir os canais. Mas a regulamentação determina que caso a escolha seja por incluir alguma das redes nacionais na grade de programação, todas as demais devem igualmente ser incluídas.
Com pelo menos três satélites em operação e capacidade de sobra, a Oi conseguiu incluir no line up nada menos do que 43 operações locais da Globo –mais do que o dobro da Sky e praticamente o triplo do que consegue a Claro TV. Isso é interessante para os assinantes, que acessam conteúdos locais, e para a emissora, visto que preserva na TV paga a publicidade regionalizada.
É tão importante que as outras emissoras abertas resolveram exigir o mesmo, respaldadas pela legislação e pela regulamentação que obriga o carregamento das outras redes nacionais (um conceito criado especialmente para a TV por assinaturas e que inclui 14 grandes radiodifusores). A solução técnica – visto que nem todas as empresas possuem capacidade de sobra – é a adoção de um receptor híbrido, um set top box que capta os canais pagos e abertos.
Mas se a solução técnica já existe, a discussão esbarra no ritmo de substituição dos atuais receptores pelas ‘caixinhas híbridas’. As emissoras de televisão aberta querem a troca em até dois anos nas maiores cidades – e até três anos para as demais. As operadoras de TV por assinatura resistem a se comprometer com prazos menores do que cinco anos.
Com estimativas de custo que variam de R$ 500 mil a R$ 6 bilhões, as operadoras de TV por assinatura preferem uma troca gradual dos equipamentos, à medida em que precisarem ser trocados por conta de defeitos ou melhorias – como a substituição por caixinhas que permitem recepção de canais em alta definição. Nesse processo “natural”, cerca de 8% dos 12 milhões de assinantes via DTH já contam com os receptores híbridos.
O prazo é o principal, mas não o único dilema. A TV por assinatura reclama de uma nova regulamentação do carregamento obrigatório e, especialmente, do risco de terem sua avaliação (pelo regulador) prejudicada com base em transmissão e recepção de sinais fora de sua governança. A caixa híbrida faz tudo parecer o mesmo para os usuários, mas na prática é um receptor de TV paga onde vem acoplada uma antena para captar os sinais da TV aberta terrestre.
Por enquanto, a Anatel vem alimentando uma solução negociada entre as emissoras abertas e as operadoras de TV paga. Não por menos, uma definição não deve vir em menos de um mês – até para dar tempo para que TVs e teles consigam resolver a definição dos conversores para o andar de baixo – o que deve se dar em uma reunião prevista para 29 deste mês.
Fonte: Convergência Digital